A distorção dos factos e a pequena censura do Diário de Coimbra



O artigo de opinião publicado no Diário de Coimbra de 15 de Novembro de 2009 foi por mim contestado em carta ao diretor do Diário de Coimbra. Abaixo transcrevo o teor da carta. A contestação deve-se à falta de rigor factual dos "argumentos" apresentados pelo articulista, Sérgio Ferreira Borges, relativos às celebrações da Queda do Muro de Berlim.
O actual diretor executivo do Diário de Coimbra negou-se a responder aos e-mails e cartas enviados, e nunca publicou a carta que enviei.

Perturba-me que um jornal de tradição democrática recente, se recuse a publicar uma carta bem educada onde se rebatem argumentos. É uma forma perniciosa de censura e acima de tudo de ausência de cultura democrática.

CARTA AO DIRETOR
Exmo. Sr. Director Adjunto do Diário de Coimbra
João Luís Campos,

O artigo de opinião, assinado por Sérgio Ferreira Borges a 15.11.2009, intitulado "O pianista nos muros de Berlim" apresenta dados errados sobre pessoas e factos recentes.
Começando pelo fim, o autor afirma no referido texto que "notei a falta insanável de Willy Brandt [nas cerimónias dos 20 anos da queda do Muro]". É natural que assim seja: Willy Brandt faleceu em 8 de Outubro 1992.
Sérgio F. Borges diz ainda "atribuo a maior importância ao facto de Helmut Kohl "..." não ter participado em qualquer cerimónia comemorativa". Helmut Kohl participou no dia 31 de Outubro numa cerimónia comemorativa da Queda do Muro com Gorbactchov e George Bush (pai). Mais, segundo as notícias publicadas: "[Kohl] lamentou não poder participar das cerimónias já que sofreu, este ano, um acidente vascular cerebral que lhe paralisou a parte inferior do rosto, impedindo o discurso." Explicando-se assim a ausência de Kohl nas cerimónias. Aliás, Kohl sempre referiu que a Queda do Muro é um dos momentos mais felizes da sua vida.

As afirmações de Sérgio F. Borges sobre o SPD alemão (o equivalente ao PS alemão) "um monte de resíduos tóxicos" carecem de fundamentação, não sendo conhecidos escândalos associados ao SPD nem ao seu líder Franz Walter Steinmeier, acusado por Sérgio Borges como o pai da "irresponsabilidade corrupta" do SPD. Pelo contrário Steinmeier é descrito por todos como um político de consensos e uma pessoa séria.

A sondagem referida pelo articulista (sem no entanto revelar a fonte), sobre a percentagem de cidadãos que quer o Muro de volta, é contraditória. Segundo a conceituada revista Der Spiegel, citando uma sondagem realizada pela FORSA, 10% dos cidadãos (1) que vivem no território da ex-RDA, querem o Muro de volta. Sérgio Borges afirma que quase 50% quer o regresso do Muro !

Pessoalmente, lamento que o autor do texto não escreva uma linha acerca dos crimes cometidos pelo regime comunista da RDA sobre os seus próprios cidadãos. Em 1953 em Berlim-Leste (RDA) centenas de trabalhadores foram mortos pelos tanques soviéticos quando livremente se manifestavam contra o regime de ditadura da RDA; os atletas da República Democrática (sem partidos nem eleições...), e muitos menores de idade (mais de 10.000 entre 1960 e 1980) sem o consentimento dos pais, foram drogados com esteróides de maneira brutal e sistemática com consequências dramáticas para a sua saúde, sendo que algumas mulheres foram transformadas "hormonalmente" em homens (2) , em nome de resultados desportivos em nome da elevação do regime comunista ; esquecendo-se Sérgio Borges que a construção do Muro em 1961 tinha como finalidade primeira estancar a saída da população da RDA, 3,5 milhões de pessoas fugiram para Ocidente entre 1945 e 1961, convertendo-se o Muro num obstáculo à liberdade dos cidadãos de Leste em deslocarem-se para onde quisessem.

Sérgio F. Borges afirma textualmente que "deplora" o actual statuos quo em Berlim, preferindo certamente um regime que lhe negaria uma liberdade básica: escrever todos os disparates que bem entende. Caso desafiasse as autoridades da RDA, escrevendo o que escreve, mesmo em 1989, iria certamente passar uns tempos na prisão da STASI, por exemplo em Hohenschoenhausen, Berlim (3), onde seria re-educado sobre as virtudes do regime e a inutilidade do "pensamento livre" e do capitalismo.

Notas:
(1) - Sondagem: ver artigo em revista DER SPIEGEL http://www.spiegel.de/politik/deutschland/0,1518,660034,00.html
(2) - "..."between the 1960s and the '80s the GDR gave steroids to more than 10,000 uninformed youngsters as part of its quest for dominance in worldwide sports events.” Retirado da recensão do livro "Faust's Gold: Inside The East German Doping Machine" de Ungerleider.
(3)- Informação sobre a STASI em http://www.stiftung-hsh.de/
Cumprimentos,
João Vaz

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