A verdadeira história das finanças municipais

Texto do Vereador António Tavares, publicado no jornal o Figueirense, Dez.2008

A verdadeira história das finanças municipais

A maioria que gere o município fez aprovar, na passada semana, o plano de actividades e o orçamento da câmara para o ano de 2009. Neste artigo procurarei, de forma simples e sucinta, traduzir a realidade financeira do município. Prepare-se o leitor para o pior e tenha alguma paciência com o imprescindível recurso aos números que terei de fazer.
O orçamento, que ascende a 75,2 milhões de euros, prevê gastos correntes de 35,7 milhões de euros e gastos de investimento de 39,5 milhões de euros. Convém alertar o leitor de que estas previsões mantêm um histórico de cumprimento inferior a 50%, ou seja, nos últimos cinco anos, o único orçamento que ultrapassou este valor foi o de 2005 (ano eleitoral), o qual foi cumprido em 53%. De facto, como pode a Câmara gastar em despesa corrente 35,7 milhões de euros se em 2007 arrecadou de receitas apenas 29,7 milhões? E como se atreverá a gastar em investimento os tais 39,5 milhões se arrecadou, em receitas de capital, tão só, 8,9 milhões? Pura ilusão!
Em período de recessão e de conjuntura difícil, a Câmara da Figueira da Foz vive, de há uns anos a esta parte, uma situação de crise estrutural preocupante. Endividada até ao sabugo e impedida de contrair dívida junto da banca, outro caminho não tem restado senão protelar o pagamento aos fornecedores de bens e serviços. Por isto, a Câmara da Figueira aparece no ranking das piores pagadoras e na lista da Direcção Geral das Autarquias com um prazo de pagamento médio de 270 dias. Pela mesma razão, a dívida aos fornecedores ultrapassou, em 2005, a dívida à banca, passando nesse ano de 13,1 milhões de euros para 32,9 milhões de euros, um salto de 150%! Poder-se-ia pensar que, dadas as circunstâncias, as despesas municipais têm diminuído; Pura ilusão, mais uma vez! O principal gasto, que é representado pelo pessoal e pela aquisição de bens e serviços, (78% do total de despesas) tem subido sempre e bastante – desde 2004, 14%.
No próximo ano, as principais receitas irão cair; a Câmara não conseguirá vender bens, como, aliás, tem tentado, nos últimos anos, sem sucesso. Apesar da descida das taxas de juro, o problema financeiro persistirá.
De resto, o problema da Câmara não se pode dissociar do das principais empresas municipais, a FGT e a Figueira Domus. Esta última apresentou, em 2007, uma dívida de 19 milhões de euros e suportou, em 2008, mais de um milhão de euros de juros, tendo a Câmara necessidade de reforçar o seu capital social em 750 mil euros. Os custos e perdas, em 2009, agravar-se-ão em 44%, passando de 1,7 milhões de euros para 2,5 milhões. A empresa espera compensar este acréscimo com a venda do seu depauperado património, mas em período de crise imobiliária deverá ser difícil.
A FGT, por seu turno, é outra tenebrosa dor de cabeça. Prevendo custos da ordem dos 2,3 milhões de euros em 2008, um número já de si assustador, atingiu um montante de 3,35 milhões! Tal situação seria comportável se os proveitos acompanhassem as perdas, mas estes, pasme-se, sofreram uma quebra face ao previsto de 28%. Neste ano, a empresa ultrapassou a situação legal de equilíbrio das contas, o que obrigou a edilidade a realizar uma transferência financeira de 543 mil euros. Em 2009, a Câmara terá que compensar a empresa com subsídios de exploração de 2,8 milhões de euros!
O leitor que conseguiu chegar até este ponto deste escrito deve estar perplexo com a situação apresentada e, se calhar, até escandalizado. Os números são de uma tal grandeza que nos questionamos como foi possível chegar aqui. Só a dívida da empresa municipal de habitação excede, largamente, a totalidade da dívida municipal herdada há onze anos pelo PSD. E nos últimos anos, há que admiti-lo, não fossem as obras do governo e o investimento das grandes empresas (EDP, Iberdrola, CELBI) e o concelho estaria parado. Não fosse a Sociedade Figueira Praia a colocar o nome do concelho no panorama da cultura nacional e a Figueira estaria erradicada do mapa. As juntas de freguesia agonizam mês após mês, sem dinheiro para despesas correntes. No primeiro semestre do corrente ano, quatro juntas apresentavam como transferências de capital recebidas da Câmara, zero euros! Em relação ao período homólogo do ano transacto, as juntas tinham recebido menos 50% de transferências. É uma situação de agonia extrema! Tem acontecido que algumas máquinas, uma vez avariadas, demoraram largos meses a serem reparadas, ou porque não havia verbas ou porque os prestadores de serviços e bens estão cansados de esperar pelos pagamentos atrasados; as colectividades, por exemplo, são credoras de transferências prometidas e em atraso desde 2001, numa verba que excede os 500 mil euros!
Se o leitor conseguiu chegar ao fim do artigo, perdoe-me tê-lo perturbado. Mas se o seu desassossego o tiver alertado para ser um factor de mudança, então a sua paciência valeu a pena.

Comentários

  1. Caro João,

    Este teu post incentivou-me a escrever um comentário que coloquei no meu caderno de apontamentos.

    Aí o tens:

    Lamentavelmente, esta é uma situação comum não só a nível da administração local e regional como da administração central. Há casos piores e casos menos piores. Mas o mal é geral. Muita gente brada mas o problema não se resolve. Porquê?
    .
    Antes de mais não se resolve com artigos no Figueirense, no Progresso de Gondomar, no Diário de Felgueiras, no Público, Diário de Notícias, Correio da Manhã, ou quaisquer outros periódicos locais ou nacionais. Nos blogues também não. O problema ou se resolve em sede própria, na Assembleia da República, e vai ficando muito tarde para se encontrar solução por aí, ou, mais provavelmente, por congestão de dívidas a impor uma dieta forçada.
    .
    Os eleitores não são sensíveis a argumentos orçamentais sobretudo quando os gastos reais, e muito menos os orçamentados, não bolem directamente com os seu bolsos.
    Há pelo menos três coisas que poderiam alterar este estado de coisas:


    - que as câmaras cobrassem elas próprias os impostos que constituem as suas receitas;


    - que todos os encargos assumidos fossem reflectidos nas contas, isto é, que a contabilidade deixasse de ser uma contabilidade de caixa (receitas menos pagamentos) e passasse a registar encargos assumidos (pagos ou a pagar) e proveitos certos (recebidos ou a receber).


    - que não lhes fosse consentido ultrapassarem níveis (definidos pelo governo central) de solvabilidade sob pena de sanções claramente desincentivadoras.
    .
    Mas, em vésperas de eleições e no meio do furacão, quem é que vai avançar com medidas moralizadoras que afectariam clientes de todos os lados do xadrez político?
    .
    Ninguém. Só mesmo quando a maré vazar e o lodo mostrar os seus hóspedes é que começará o trabalho de limpeza. Que nos custará a todos e sujará muita gente.
    .
    Originariamente, (wikipedia ) autarquia significava "comandar a si mesmo" pertinente a vários campos, mas sempre lidando com a ideia geral de algo que exerce poder sobre si mesmo".
    Estava-lhe, portanto, inerente a independência de acções com recursos próprios.
    Entre nós, por razões várias, passou a dispor desgovernadamente de recursos alheios. De autarca promoveu-se a autocrata, utilizando frequentemente a demagogia e a chantagem política.

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